sábado, 7 de março de 2009

Nosso corpo nos pertence?

Ao longo do século XX, a sociedade testemunhou a mobilização das mulheres pelo direito ao voto, à educação, à igualdade em relação aos homens nos campos político e profissional. A luta por esses direitos e sua gradativa consolidação outorgaram às mulheres uma maior participação social e ampliaram a perspectiva de novas lutas.
Alguns autores afirmam que a princípio a luta não focalizava a relação de subordinação em relação aos homens, constituída culturalmente em nossa sociedade; antes, exigia o direito de as mulheres serem cidadãs, demandando uma maior participação social e política.
Apenas no final da década de 1970, e principalmente início da década de 1980, identificam-se no movimento feminista as primeiras reivindicações no campo da reprodução e da sexualidade. Inspirado nos movimentos norte-americano e europeu, o movimento nacional aponta as primeiras demandas em torno da sexualidade e da contracepção, culminando na formulação dos hoje chamados direitos reprodutivos e, posteriormente, os sexuais.*
Bom, na realidade não é de história que desejo falar, no que me peguei pensando hoje foi que diante de tantas conquistas, o gênero feminino ainda se depara com uma série de questões que cerceiam nossa tão almejada “liberdade”.
Não há como não lembrar da palavra de ordem nosso corpo nos pertence que durante tanto tempo, conseguiu conjugar a maioria das reinvidicações do movimento feminista. Mas questiono até que ponto isso se concretizou em nossas relações sociais; onde e em que medida avançamos e em que circunstâncias somos destituídas ou abrimos mão dessa apropriação.
Se por um lado avançamos no debate, por outro, algumas posturas ainda possuem um ranço do passado. Ou pior, a liberdade de hoje pode apresentar-se como falsa tolerância e se trajar de um fetiche totalmente cerceador.
Quando o movimento gritava nosso corpo nos pertence almejava liberdade, liberdade esta personificada no próprio corpo feminino. E é interessante perceber que foi justamente neste corpo que as clausuras foram construídas. Se este corpo ganhou ou pelo menos tem avançado na conquista do direito de sentir e assumir o desejo e o prazer diante de uma sociedade que foi ensinada a negar esse direito às mulheres; é exatamente sobre este corpo que se constituíram as amarras. Nosso modelo de sociedade se apropriou das lutas e as transformou em demandas de mercado. Hoje este corpo cobra e é cobrado. Quando refletimos sobre a valorização da estética em nossa sociedade, não há como negar que o mercado faz da beleza uma meta a ser perseguida por TODAS as mulheres e ai daquelas que se recusarem, ou não se enquadrarem no padrão. Isto é fato! Não precisa ser marxista para reconhecer rs
Mas este corpo ainda é alvo de outras questões muito mais danosas. Ainda é neste mesmo corpo, pelo qual lutamos tanto para nos apropriarmos, que se configuram os maiores brutalidades que uma sociedade pode tolerar. O mesmo é abusado, violentado, negligenciado e até estigmatizado. E é no corpo que muitas mulheres trazem as marcas dessa tênue apropriação.
Pensemos um pouco sobre isso neste dia 8 de março...
*Trecho da minha mono. "Mulheres e o uso do preservativo: um estudo com usuárias do Programa de Planejamento Familiar do Hospital das Clínicas/UFPE" 2006.
Bom, não tenho muito que acrescentar, mas acredito que a luta diária precisa promover maior esclarecimento acerca dos direitos, dos instrumentos que dispomos, dos recursos que o estado e a sociedade civil oferecem. E principalmente, acredito que nosso maior desafio está em desconstruir valores arraigados a nossa cultura que favorecem e ainda legitimam todo tipo ação ou omissão que contribuam para a subalternização feminina e a violação dos seus direitos.
Pois é, uma luta tão antiga que ainda apresenta muito em que se avançar. O primeiro passo é se apropriar do que é nosso e reconhecer que, apesar das MUITAS E SIGNIFICATIVAS CONQUISTAS, ainda há muito que se conquistar!

Um comentário:

Natalie Dowsley disse...

Pois é, Pati... acho que ainda nos falta compreender, de fato, que "liberdade" não rima com "irresponsabilidade", e que quando afirmamos que "meu corpo me pertence" estamos dizendo que sou responsável por ele, que devo cuidar, que não devo submetê-lo à auto-destruição...Como tudo o que "nos pertence" - será que "possuímos" algo, de fato? - temos obrigação de cuidar, de preservar...
A contradição existe, como vc mesma disse: se meu corpo é meu, se eu que decido o que fazer dele, pq me submeto às cobranças estéticas da sociedade?; pq me submeto à violência doméstica?; pq deixo que ele seja usado e abusado, como um objeto sexual, uma "boneca inflável"?
Adorei o texto!!! Sua mono deve ter sido um arraso! Um dia quero ler!
Beijo!!!
p.s.: te admiro muito, sabia?! =)